Afinal, o que eu sinto? Uma reflexão sobre Close e o lugar desconhecido das emoções.

Eu sempre fui uma pessoa super-sensível. Entender e comunicar sobre os sentimentos que vivem dentro-fora de mim sempre foi difícil, particularmente.

Anna de Oliveira
5 min readJun 12, 2023

O limite mais difícil de enxergar era aquele que separava o que eu podia sentir e o que eu não deveria sentir; o que seria meu “por direito” e o que era “exagero”. Parâmetros e caixas para dizer “isso aqui sim”, “isso aqui não”, sem se quer saber da onde, como e o que de fato era “isso” ou “aquilo”. Close (2023) do diretor Lukas Dhont, é o filme belga que conta sobre os percalços do julgamento e a máscara da aceitação social; a masculinidade e a dificuldade em desenhar contornos claros sobre as emoções; por fim, a moral, a perda de inocência e a culpa em uma criança de apenas 13 anos.

Remi (esquerda), Leo (direita)

Ainda na infância, os amigos Leo (Eden Dambrine) e Remi (Gustav de Waele), lidam com o preconceito na escola, aonde começa a surgir a ideia de que são um casal. A história se desenrola e Leo desconfigura-se diante da pressão e sua personalidade extrovertida e carismática começa ser substituída por um menino que luta contra si e contra seu parceiro-espelho.

Os amigos-irmãos se afastam e Leo tenta vestir um novo figurino, nos treinos de hockei e nos intervalos com os novos colegas. Com apenas 13 anos, o garoto tenta provar da virilidade que lhe faltava, sendo obrigado a caber em caixas, pela pressão social e, consequente, necessidade de aprovação dentro do grupo.

Mesmo com dificuldade, ele persiste e continua a afastar o amigo, incomodado com a sua presença e afeto. Uma trágica resolução se dá ao conflito entre os dois. Para além dos personagens principais, vemos a interferência da masculinidade como um enorme barreira na compreensão das emoções. É como um lugar de total desconhecimento a respeito do que vivem e como lidar.

“Isso fica bem em você. Faz você parecer forte” (Sophia, interpretada por Émillie Dequenne, a mãe de Remi)

Nesse trecho, quem vai ao treino é Sophie e tenta encontrar uma razão-motivo com Leo sobre o acontecimento. Ela faz referência a roupa grande e os equipamentos de proteção que o menino usa, como o capacete com grade na frente. Leo se torna mais um garoto que, desde cedo, começa a aprender em seu inconsciente a ideia de força emocional, em um processo de completa anestesia em um primeiro momento.

Durante um jantar entre as duas famílias, é o pai de Remi, Peter (Kevin Janssens), que solta a pressão do luto e chora depois que o irmão mais velho de Leo fala sobre os planos para o futuro.

Já em uma conversa mediada pela professora as crianças falam sobre suas emoções. Leo permanece anestesiado diante de um processo de entendimento moral — que o priva de sua inocência cedo demais — enquanto ouve o colega e é ali que um personagem Sekou traz a importância do detalhamento emocional:

“Eu choro com muita facilidade, não posso controlar. Às vezes, é só começar e eu não consigo… Na verdade, ser forte não quer dizer deixar de chorar… Também tem a ver com poder explicar.”

A professora pergunta:

“Quando foi a última vez que você chorou”?

“De tristeza ou de raiva?”

“Tristeza e raiva são muito semelhantes”

Não são, não. Na maioria das vezes eu choro de raiva.”

Quantas vezes sentimos a tristeza e a raiva para, só depois de um bom tempo, entendermos a importância da reflexão a respeito da diferença entre as emoções? A gente sabe identificar as nossas emoções?

O conceito de detalhamento emocional é abordado no programa “Atlas do Coração” da pesquisadora Brené Brown para a HBO Max (recomendo fortemente, são cinco episódios que podem mudar a sua vida, se você assim quiser).

A psicóloga da Universidade de Harvard, Susan David, explica que “o detalhamento emocional é a habilidade que nos permite compreender as experiências difíceis”. É a compreensão detalhada da emoção vivida, sabendo diferenciar entre as variáveis que existem. Quanto mais específicos somos para descrever nossos sentimentos, mais fácil enxergar os contornos de uma situação de profunda emoção. Ela explica que, sem essa capacidade, o que fazemos é recorrer a grandes termos “guarda-chuva”, que podem variar muito entre eles.

“Quando fazemos isso a psique não consegue navegar na realidade do que estamos sentindo. […] Porque, por exemplo, existe um mundo de diferença entre estresse e decepção, estresse e solidão, ou estresse e aquela sensação angustiante de estar no trabalho errado ou na carreira errada”.

Sekou, de forma sábia e inocente, traz a ideia na roda de amigos com a professora. A importância de enxergar as emoções e ter uma compreensão sobre elas, de forma mais sutil, precisa e eficaz.

Existe uma profunda diferença entre chorar de tristeza e chorar de alegria, e isso é claro porque são opostos e sabemos traçar um contorno claro. Mas, e quando falamos a respeito da tristeza e da raiva? Do ressentimento e da culpa? O filme é sensível ao ponto de me fazer sentir um nó na garganta e falta de ar.

Para além do desencontro, Leo e Remi correram juntos nesse caminho-vida, de bicicleta ou a pé, os dois foram cúmplices um do outro. É possível sentir a presença de Remi em forma de poesia, o que não deixa dúvidas sobre a proximidade entre os amigos-irmãos.

Afinal, o que é tudo isso que sentimos?

O século da velocidade, da inteligência artificial, da ansiedade e da depressão… Em que medida se torna cada vez mais urgente entendermos cada parte-órgão em nosso corpo emocional?

Extra: No site da Brené Brown você encontra alguns materiais interessantes, artigos e arquivos para download, inclusive a lista das emoções (por enquanto só na versão em inglês).

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Anna de Oliveira

diretora de cena, comunicadora e artista visual-intuitiva